O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O EMPRÉSTIMO CONSIGNADO COM CARTÃO DE CRÉDITO PARA APOSENTADOS

O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O EMPRÉSTIMO CONSIGNADO COM CARTÃO DE CRÉDITO PARA APOSENTADOS

A Constituição Federal prevê em seus artigos 5º, XXXII, e 170, a proteção do consumidor como direito fundamental e princípio balizador das atividades econômicas. Desta forma, tendo em vista sua vulnerabilidade, o Código de Defesa do Consumidor prezou pela dignidade dos consumidores, bem como pela proteção dos interesses econômicos, pela transparência e harmonia nas relações de consumo.

O Código Consumerista[1] estabeleceu os direitos básicos dos consumidores e princípios norteadores das relações de consumo, como a vulnerabilidade, a boa-fé, a confiança e a transparência, com o escopo de assegurar a harmonização dos interesses das partes e equilíbrio no mercado de consumo. Os princípios jurídicos do CDC objetivam dar segurança aos contratantes e indicar os parâmetros para a interpretação de cláusulas abusivas.

Os idosos merecem, enquanto consumidores, atenção especial quanto à sua proteção, em razão da sua condição de hipervulnerabilidade. De acordo com Bruno Miragem[2], a vulnerabilidade do consumidor idoso é identificada a partir de dois fatores: “a) a diminuição ou perda de determinadas aptidões físicas ou intelectuais que o torna mais suscetível e débil em relação à atuação negocial dos fornecedores; b) a necessidade e catividade  em relação a determinados produtos ou serviços no mercado de consumo, que o coloca numa relação de dependência em relação a seus fornecedores.” Nesse sentido, o autor explica que o primeiro aspecto pode ser vislumbrado no momento em que o fornecedor se aproveita da falta de compreensão por parte do idoso, ou por se aproveitar de qualquer outra forma de sua condição peculiar para forçar o consumo de produtos e serviços.

Tornaram-se comuns abordagens telefônicas abusivas para que consumidores idosos adquiram empréstimos ou cartões de crédito consignados, muitas vezes de maneira a ludibriar o cliente que imagina contratar empréstimo com juros baixos enquanto contrata uma modalidade de cartão de crédito com juros muito além do pretendido. Por vezes, ainda sequer realiza efetivamente a contratação, percebendo exclusivamente quando identifica a redução de renda mensal, já que os descontos são realizados diretamente no benefício.

A hipervulnerabilidade do consumidor idoso é condição central e que exige análise mais apurada quando da aplicação do CDC nas relações de consumo, servindo como critério balizador de interpretação das normas e protegendo o idoso das práticas abusivas perpetradas em seu desfavor.

O Código consumerista instituiu o princípio da proteção da confiança do consumidor, de maneira que o consumidor espera suprir suas expectativas sobre os produtos ou serviços de acordo com as informações a ele fornecidas sobre o mesmo. Os princípios da boa-fé, da transparência e da confiança são essenciais para a consolidação de uma relação de consumo como prevê o CDC. O que determina a prevalência da boa-fé e da transparência nas relações de consumo é a harmonização do interesse das partes; já a transparência é uma consequência destes. Tais princípios estão expressamente previstos no art. 4º do Código de Defesa do Consumidor, traduzindo que o consumidor e o fornecedor contratem com lealdade e segurança recíprocas.

Considerando o essencial alinhamento dos valores e princípios organizacionais das empresas com a política de oferta de produtos e serviços no mercado, a preocupação em relação à forma como a oferta é dirigida ao consumidor se apresenta como indicativo sensível e revelador dos padrões éticos das relações de consumo. O CDC proíbe práticas baseadas em abusos na oferta e concessão de empréstimos consignados realizados mediante exposição e fornecimentos indevidos de dados e por intermédio de persistente número de ligações telefônicas. Assim prevê o art. 6º, trazendo o rol dos direitos básicos do consumidor, dentre os quais figuram, como direitos do consumidor, a liberdade de escolha e os direitos à informação adequada e clara[3].

O Código confere, ainda, proteção contra métodos comerciais coercivos ou desleais e práticas comerciais abusivas impostas no fornecimento de produtos e serviços, bem como à efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais. Ademais, nos termos do inciso IV do art. 39 do Codex, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para lhe impingir seus produtos ou serviços. O CDC é claro quanto à vedação do fornecedor se prevalecer da idade do consumidor para impor a contratação de seus produtos ou serviços.

O art. 52 do Código Consumerista estabelece que no fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre preço, montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros, acréscimos previstos, número e periodicidade das prestações e soma total a pagar, com e sem financiamento. Determinações estas que são aparentemente descumpridas quando o modo de contratação se consuma por intermédio de ligações telefônicas.

No mesmo sentido, o art. 46 determina que os contratos não obrigarão os consumidores se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo ou se forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido ou alcance.

Nesse passo, é importante observar que a
Instrução Normativa nº 28 de 16/05/2008 estabelece critérios e procedimentos relativos a consignação de descontos para pagamento de empréstimos e cartão de crédito contraídos nos benefícios da Previdência Social, regulando questões importantes como, em seu art. 13, o número de prestações, taxa de juros, que não poderá ser superior a 1,80% ao mês, devendo expressar o custo efetivo do empréstimo, a vedação de cobrança de Taxa de Abertura de Crédito e outras taxas administrativas, dentre outras peculiaridades. O art. 16º determina, ainda, que nas operações de cartão de crédito a taxa de juros não poderá ser superior a 2,70%, de acordo com a redação dada pela Instrução Normativa nº 106 de 18/03/2020, cujos efeitos iniciaram a partir de 23/03/2020.

Por fim, não podemos esquecer que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé e equidade[4]. Deste modo, o contrato de cartão de crédito em substituição ao contrato de empréstimo pessoal, tal como formalizado frequentemente pelos bancos, são nulos, já que as normas do Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública e interesse social, nos termos do que dispõe o seu art. 1º, fundamentado nos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

 

 

[1] De acordo com o previsto nos arts. 4º, caput, I e III, do Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>

[2] MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 128.

 

[3] Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços.

V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

IX – (vetado);

X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

Parágrafo único.  A informação de que trata o inciso III do caput deste artigo deve ser acessível à pessoa com deficiência, observado o disposto em regulamento.

[4] Previsão legal estabelecida no art. 51, IV do Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>.

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